sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Um cordão umbilical eterno.

Primeiro foi conhecer. Depois foi aprender a gostar. Gostar muito. Foi admirar. Foi querer ser como ela. Foi sorrir ao ouvir a voz doce. Foi ganhar força com o eco do toc-toc dos sapatos dela. Foi perceber que não havia outra escolha possível. Foi saber que ela era fortaleza, tanque de guerra, determinação, convicção, inteligência, alegria. Foi achar o jeito dela o mais gracioso do mundo. Foi gostar. Gostar muito.
Hoje, é a certeza do abraço presente, do carinho, do sorriso, da mão estendida. É o respirar fundo, fechar os olhos e sorrir, porque tenho a melhor madrinha que alguém pode ter. Hoje, como sempre, é acreditar que ela é grande, enorme. E eu vou guardá-la no bolso daquele casaco preto, embrulhada em saudade.





Juro, vou seguir os teus passos, até onde eu for capaz.

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Pedra filosofal, ou o coração a acelerar.



Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam em bebedeiras de azul.

Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão de átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
Quase*

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O amor nos tempos de cólera

"Florentino Ariza, pelo seu lado, não tinha deixado de pensar nela nem por um instante desde que Fermina Daza o recusou sem apelo nem agravo ao fim de um namoro longo e contrariado, e desde então tinham passado cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias."
"Era a primeira vez que fazia amor em mais de vinte anos e tinha-o feito embargada pela curiosidade de sentir como podia ser na sua idade, após um retiro tão prolongado. Mas ele não lhe dera tempo para saber se o seu corpo também o queria. Tinha sido tão rápido e triste e ela pensou: "Agora é que está tudo fodido." Mas enganou-se (...) Não voltaram a tentar fazer amor senão muito depois, quando lhes chegou a inspiração sem que a procurassem. Bastava-lhes a felicidade de estarem juntos."
"- E até quando pensa o senhor que podemos continuar neste ir e vir dum caralho? - perguntou-lhe.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada há já cinquenta e três anos, sete meses e onze dias, com todas as suas noites.
-Toda a vida- disse."



Há uns tempos, pedi à minha mãe que me comprasse " Cem anos de solidão", de Gabriel García Marquez. Pareceu-me uma leitura adequada aos tempos mortos das férias e calculei que um Prémio Nobel não iria desiludir. Depois de olhar para a estante com cara de quem que conhece a filha que tem, a minha mãe lá foi à Fnac.
No dia seguinte, em cima da cama, tinha o García Marquez. O livro, pois claro. Mas, em letras gordas tipo capa de DVD, estava escrito " O amor nos tempos de cólera". Pois que o outro estava esgotado e só no GaiaShopping, e já que este é do mesmo autor, o senhor da loja tratou de convencer a minha mãe.
Mas que raio de sorte a minha, agora ter de levar com mais uma história de amor lamechas, deprimente e com final feliz, igual a tantas outras. Comecei a ler, à falta do que fazer. No final do segundo dia já tinha devorado mais de cem páginas.
Envolvente, sarcástica, rica, apaixonante. A escrita de García Marquez preenche mais do que os requisitos necessários para ser um Nobel. É única, viciante.
A história de Fermina e Florentino, o seu enredo contrariado durante mais de cinquenta anos, o amor utópico que ele sente por ela, a forma como o autor descreve os seus (des)encontros da juventude e a paixão arrepiante e arrebatadora que os tomou na velhice, torna " O amor nos tempos de cólera" um dos melhores livros que eu já li.
Durante as linhas das 385 páginas desta obra, que só não li de um sorvo porque os grandes prazeres querem-se trincados aos bocadinhos, para retardar o final, também eu senti fazer parte de uma história que, agora, já não me parece um romantismo à moda do Titanic, mas antes uma ode ao verdadeiro amor: eterno e inquebrável.
Eu aqui, me confesso apaixonada.

sábado, 22 de agosto de 2009

Portugal, um país perto de Espanha.

Há dias em que me surpreende uma incontrolável pena de viver neste país de gente corrupta, onde o pobre é preso por querer comer e o rico malfeitor e mentiroso vive numa casa de cinco assoalhadas e viaja em paquetes de luxo no mar das Caraíbas, neste país onde as estradas são assassinas impiedosas e morrem às centenas de cada vez, onde se bebe até cair porque conduzir com os copos não tem mal nenhum e a viagem nem é longa, por isso não vale a pena sequer usar o cinto. Este país onde ler um livro é coisa de gente que não tem mais o que fazer, onde se diz que ser culto é caro e as Just Girls enchem o Campo Pequeno. Tenho pena de viver no país que já se está a lixar para os brandos costumes, cada qual que se safe sozinho e olhar para as necessidades do vizinho nem pensar, que não precisamos dos outros para nada. Um país onde se trabalha muito e se produz pouco, em que as horas do trabalho são aborrecidas e mais vale aproveitar para pintar as unhas, um país onde é melhor comprar a crédito do que poupar e onde o salário mínimo estica como pastilha elástica.
Às vezes, tenho vergonha de viver neste país do deixa andar que logo se resolve, daqui a uns anitos talvez, onde se fazem estádios de milhões para clubes da segunda divisão e os telhados dos centros de saúde caem na cabeça dos utentes. O país dos 19 de média para entrar em medicina, onde somos atendidos por médicos espanhóis, brasileiros e ucranianos. O país que mostra a sua melhor faceta nos programas de televisão, que lindo, somos tão solidários, comovemo-nos com tanta facilidade, mas vai se a ver e não damos um abraço à nossa mãe desde que desmamámos. O país dos incêndios no Verão, das cheias no Inverno, das cunhas, tanto jeito que fazem e quem me dera ter uma. Um país de mamas XXL, que quem as tem deve passar fome durante um ano para as poder pagar, o país do “ quero um carro como o do Ronaldo, uma casa como a do Ronaldo, a namorada do Ronaldo”, que se lixe se ele ainda não aprendeu, como a maioria dos portugueses, que não se diz “ recebestes”, ou “hades”.
Enfim, a vergonha do país onde o desemprego desce uma décima num ano, que alegria, e todos batem palmas e penduram bandeiras nos parapeitos das janelas, já que é cá que vivemos e não se arranja melhor, pelo menos fingimos.
Uma país de merda. Mas, atenção: uma merda rotulada.

domingo, 2 de agosto de 2009

a colónia


"Somos responsáveis por aqueles que cativamos", Antoine de Saint-Exupéry, em O Principezinho

Este ano, fiquei com o grupo dos mais pequeninos, tal como queria. Vou ter à minha responsabilidade 10 pequenos dos 6 aos 8 anos, e mais trinta até aos 12. A rotina é a do costume: levantar, pequeno almoço, praia, almoço, actividades lúdicas (mais conhecida por "hora Kosovo"), mais praia e gelados, voltar à escola, dar banho aos meninos, jantar, lavar os dentes, ver a novela, deitar os meninos, os meninos a dormir e nós a comer as bifanas do Quim. Não vou em trabalho, vou em dedicação.
No final, tal como no ano passado, sei que vou trazer uma mão cheia de sorrisos e o sentimento de missão cumprida.
Agora vou ver se me sento em cima da mala, que a estúpida não fecha. Até parece que levo tralha a mais para 10 dias. Até parece.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Decididamente, culpado.



"Jornalistas", SIC, 1999
Eu só tinha 9 anos. E eu gostava de escrever, de pesquisar, de descobrir.

Pode não ter sido a força motriz, mas foi, sem dúvida, o início da paixão. Se voltasse a passar, dez anos depois, eu veria com os mesmos olhos de menina apaixonada e sonhadora, e continuaria a dizer que, um dia, quero ser como eles.


sexta-feira, 10 de julho de 2009

Sexta feira, treze.

Tocou. Ela foi a primeira a sair da sala. Já tinha arrumado a caneta azul no estojo e fechado o caderno e o livro de exercícios de Matemática, muito antes da professora o permitir. E os ponteiros do relógio teimavam em não cumprir o seu dever. Ela estava cansada de ouvir falar de estatística e de métodos com nomes estranhos: além de detestar Matemática, sabia que nada disso lhe seria útil. Aquilo que ela realmente precisava não estava naquela sala, nem naquele piso.
Tocou. Levantou-se e sorriu para a companheira de mesa e de todas as horas. Não era preciso dizer mais nada, ambas já se tinham habituado à nova rotina dela.
Enquanto tentava furar entre a multidão ruidosa, passou os dedos pelos caracóis, puxou a camisola cinzenta, aquela que ficava bem com o cinto preto dos brilhantes. Finalmente, conseguiu chegar às escadas e desceu. O coração batia a um ritmo alucinante, como se aquele fosse o primeiro dia. Sorria sozinha com toda a vontade e se achassem que era maluca, estava-se a lixar. Afinal, tudo o que mais importava estava mesmo ali, encostado à porta da sala de Informática. Este ritual repetia-se todas as sextas feiras, no intervalo das dez. Ela descia as escadas e ele, de braços abertos, envolvia-a num abraço protector, cobria-a de beijos e dizia-lhe coisas bonitas ao ouvido, que só ela podia saber. E todas as sextas feiras, no intervalo mais movimentado do dia, não havia mais ninguém naquele corredor. Só ela e ele.
Ela desceu as escadas e sorriu quando o viu encostado na parede, à espera dela. Mas, naquela sexta-feira, não encontrou o abraço protector, não teve direito aos beijos salgados e a única coisa que ele lhe disse ao ouvido foi um amargo “ temos que falar”.
Ela sentiu um arrepio a percorrer-lhe o corpo todo. Algo não estava bem e não era coisa boa a que aí vinha, disso tinha a certeza. Deram as mãos e caminharam juntos, num silêncio sepulcral.
Nuns segundos que pareceram horas, ela fez força e tentou acreditar que ele só lhe ia contar alguma coisa mais grave, mais séria. E que iam ficar juntos para sempre, como tinham prometido. E que aquele ramo não ia murchar, não podia.
Sentaram-se juntos a uma distância tão grande que era impossível tocarem-se. Ele, com um discurso preparado, só conseguiu dizer a primeira frase. Ela, sem verter uma única lágrima, conduziu o resto da conversa. No fundo, estava a concretizar-se aquilo que ela sempre temeu, aquilo que ela nunca quis acreditar que pudesse acontecer. Por isso, rapidamente terminou aquele tormento, não podia ouvir mais. Uma última troca de olhares. O dele de pena e o dela de raiva.
Correu para lugar nenhum, foi contra as pessoas, deu pontapés em caixotes do lixo. E, assumidamente fraca, deixou cair as lágrimas. Tentou acreditar que fosse um pesadelo e que, depois de acordar, correria de novo para os braços dele.
Quando a noite caiu, despiu a camisola cinzenta que ele tanto gostava e chorou. Hoje, lembra-se de ter chorado dias a fio, quase sem parar. A dor no peito era forte, como se estivessem a apertá-la com molas, a picá-la com mil agulhas finas. Mal ela sabia que o pior ainda estava para vir. Aquilo que ele não teve coragem de lhe contar naquele dia.
Que o tempo tudo cura, que tudo passa, que os amores vão e voltam, nisso ela não acreditava. Afinal, um grande amor, por muito que se tente esquecer e se acredite que se esqueceu, dura uma vida. Uma vida inteira.