sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Londres

Aterrei em Londres pouco passava das oito da manhã. Depois de um voo de mais de três horas, com uma escala imprevista em Frankfurt, o cansaço invadiu todos os meus membros. Não consegui dormir no avião. Durante toda a viagem, a minha mente foi consumida por uma mistura de sentimentos. Entusiasmo, medo, nervosismo.
O aeroporto de Heathrow é mais pequeno do que eu imaginava mas, ainda assim, pareceu-me muito maior, frio e triste do que o Sá Carneiro. Não era suposto sentir isto. Esperei pela mala mais de dez minutos. Se não aparecesse talvez fosse o fim, antes mesmo de ter saído do aeroporto. Guardei lá as peças da minha nova vida: a máquina, o pequeno Moleskine, um contacto. Alguém me tinha dito, uns tempos antes, que o aeroporto ficava longe do centro de Londres. Apanhei um táxi e senti-me num filme, onde as cenas se repetiam a um ritmo que eu não conseguia acompanhar. A minha fraca pronúncia provocou uma confusão no taxista, resolvida quando lhe estiquei o papel:
- Oakwood Hill.
Oakwood Hill. Era tudo o que tinha.
O coração apertava a cada subida do taxímetro. Pela primeira vez na vida, tive medo de não ter dinheiro para pagar uma conta. O homem, impecavelmente vestido e barbeado, tinha toda a frieza e distanciamento do povo britânico. Murmurou qualquer coisa sobre o aspecto duvidoso da zona e limitou-se a conduzir até ao destino. Não tinha noção das libras. Talvez tenha pago uma pequena fortuna.
Instalei-me numa espécie de hostel, o mais barato que encontrei na região, depois de uma pesquisa árdua. Olhei pela janela e vi a movida londrina: gangues, pessoas que passam na rua apressadas, suportando temperaturas que devem rondar os zero graus. Um imenso céu cinzento.
Adormeci. De repente, o ar gelado do quarto e uma súbita dor de cabeça fez-me voltar a ouvir o passo apressado das pessoas, as conversas e o barulho do metro, que despertou uma sensação familiar. Tudo o que eu tenho está neste quarto: uma máquina fotográfica, o Moleskine de sempre e um contacto. Sinto as pernas a tremer, os joelhos a tremer, as mãos a tremer. Um súbito suor frio invade o meu corpo.
Sei que já não volto a adormecer. Aqui, entre os lençóis frios de um quarto estranho, numa cidade estranha, rodeada de gente estranha, vou perguntando a mim mesma se vale a pena deixar tudo. Se vale a pena deixar tudo, embarcar num avião e correr atrás de um sonho.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Jornalismo

É uma certeza com meia dúzia de anos. E durante meia dúzia de anos, foram muitas as sentenças em tom irónico, como se estivesse a trilhar um caminho sem saída, irremediavelmente directo a um precipício.
Durante seis anos, fui amadurecendo a certeza de um futuro. Embalei a ideia, deixei-a crescer e entusiasmei-me; escolhi o curso sem dúvidas, incertezas ou hesitações e hoje, no prólogo do último ano da licenciatura, continuo com a mesma certeza de há seis anos. A certeza de que o meu futuro passa pelo jornalismo.
Os vaticínios da desgraça, as previsões de um emprego precário, ou mesmo as conjecturas de um destino no desemprego, já fazem parte do quotidiano. Não fosse a certeza tão absoluta e tão enérgica, ter-me-ia deixado abalar.
Eu quero ser jornalista porque gosto de todos os assuntos, de uma forma geral. Porque sou curiosa, porque gosto do que é actual, do que é passado e do que vai ser o futuro. Eu quero ser jornalista porque gosto da liberdade do cruzamento entre as ciências e as letras, entre o bom e o mau, entre o real e o ficcional, entre áreas tão vastas e tão distintas como a história, o cinema e a matemática. Eu quero ser jornalista pelo contacto directo com as pessoas, pelo prazer de ouvir histórias e (re)contá-las, pela ambição de descobrir o que está oculto, como quando era pequena e jogava às escondidas.
Com uma esferográfica e um bloco de notas na mão, os jornalistas percorrem caminhos nunca antes percorridos, procuram explicações, querem denunciar e apregoar. No jornalismo, é preciso abdicarmos de nós para dar aos outros, para lutar com corpo e alma por um mundo melhor, mais transparente e informado. Haverá trabalho mais digno e completo do que este?
Se vou ser sempre pobre com esta profissão? Talvez. Mas se a verdadeira riqueza está na felicidade de um desejo realizado e no sentimento de um dever cumprido, então não haverá ninguém mais abastado do que eu. Ninguém mais rico do que eu, jornalista, que com orgulho continuo a esboçar um leve sorriso desafiador aos vaticínios dos profetas da desgraça.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Seems like I am not here,
It’s like I don’t mean nothing.

domingo, 16 de maio de 2010

there comes the sun

A vontade cresce gradual, suave, intensamente. A vontade é de encerrar o computador, rasgar os cadernos, largar as canetas. Pudesse eu riscar os compromissos da agenda um por um, dia a dia, num traço de tinta bem vincado de uma raiva de prazer. Pudesse eu despir os casacos fastidiosos e oferecer a pele ao Sol. E que ele a queimasse a seu prazer.
O trabalho apenas agiganta a vontade de correr para o mar e esvaziar a cabeça e o corpo num mergulho regenerador.
There comes the Sun. E o Verão, tarda?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Apetece-me desenhar um Sol numa folha branca, um Sol a sorrir. Apetece-me desenhar uma casa pequenina com uma varanda de madeira e um pinheiro mais alto, de folhas pontiagudas. Apetece-me desenhar duas crianças de mãos dadas, a brincar num amor inocente.
A minha vida pinto-a de cores suaves, contornadas a linhas ténues. Nunca consegui pintá-la de cores fortes.
Nao gosto que haja noite. Também pode não haver manhãs. Quero só que exista a folha branca e o sol a sorrir. Quero que me toquem nas faces e que deixem cair um beijo simples, não um simples beijo. Apetece-me desenhar um Sol a sorrir e um barco ancorado no cais.
Quero que tudo na vida seja tão fácil e espontâneo como desenhar um Sol a sorrir.
Deixem-me ficar aqui, no meu balão que cruza o céu. Porque daqui eu vejo mais de perto o Sol, a sorrir.

sexta-feira, 19 de março de 2010

O assunto é tão assustadoramente estúpido que não me ocorreu um título adequado

O estereótipo da mulher boazona, com um par de mamas enchidas a hélio por uma orgia de deuses do Olimpo não ofende a feminista que há em mim, não me desperta um desejo absurdo de empunhar um cartaz a condenar a imagem permanentemente veiculada da mulher corpo, da mulher peito, da mulher objecto sexual, da mulher preconizada como um símbolo erótico e descartável. Estou-me a lixar para o cliché da mulher corpo são, cérebro oco (ou inexistente e dispensável, segundo os senhores da Super Bock.)
O que realmente me ofende, aquilo que me deixa capaz de ir para a rua, qual Carolina Beatriz Ângelo, é a estupidez crónica que infelizmente perdura nas mentes luminosas e superiores de certos senhores e senhoras publicitários.
Da primeira vez que olhei com atenção para esta publicidade, em ponto grande numa paragem de autocarro, ocorreu-me questionar o porquê de não conter também um belo exemplar do sexo masculino, com boxers de recheio aparentemente generoso, com uns abdominais definidos e peitorais à Pitt. Ou por alguma eventualidade eu, consumidora de cerveja, me devo sentir atraída por uma gaja com as mamas a rebentar dentro de um robe? Deveria, porventura, sentir-me tentada a puxá-lo para me satisfazer de dois prazeres? I dont think so.
Os senhores da Super Bock não conhecem o conceito de público-alvo. Os senhores da Super Bock não fizeram nada para, em pleno século XXI, inovar e inverter os padrões anacrónicos da sociedade portuguesa. Os senhores da Sagres vão acabar por vencer o eterno duelo. E à custa da publicidade.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Se eu soubesse

voltar a encontrar-me sem me perder.
Se eu soubesse
sorrir hoje, mesmo sem me apetecer.
Se eu soubesse
não ser transparente
Se eu soubesse
Que as palavras são assassinas
Se eu soubesse tudo isto
sorria sem me apetecer
encontrava-me sem me perder
e só falava de coração vazio.