sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O amor nos tempos de cólera

"Florentino Ariza, pelo seu lado, não tinha deixado de pensar nela nem por um instante desde que Fermina Daza o recusou sem apelo nem agravo ao fim de um namoro longo e contrariado, e desde então tinham passado cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias."
"Era a primeira vez que fazia amor em mais de vinte anos e tinha-o feito embargada pela curiosidade de sentir como podia ser na sua idade, após um retiro tão prolongado. Mas ele não lhe dera tempo para saber se o seu corpo também o queria. Tinha sido tão rápido e triste e ela pensou: "Agora é que está tudo fodido." Mas enganou-se (...) Não voltaram a tentar fazer amor senão muito depois, quando lhes chegou a inspiração sem que a procurassem. Bastava-lhes a felicidade de estarem juntos."
"- E até quando pensa o senhor que podemos continuar neste ir e vir dum caralho? - perguntou-lhe.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada há já cinquenta e três anos, sete meses e onze dias, com todas as suas noites.
-Toda a vida- disse."



Há uns tempos, pedi à minha mãe que me comprasse " Cem anos de solidão", de Gabriel García Marquez. Pareceu-me uma leitura adequada aos tempos mortos das férias e calculei que um Prémio Nobel não iria desiludir. Depois de olhar para a estante com cara de quem que conhece a filha que tem, a minha mãe lá foi à Fnac.
No dia seguinte, em cima da cama, tinha o García Marquez. O livro, pois claro. Mas, em letras gordas tipo capa de DVD, estava escrito " O amor nos tempos de cólera". Pois que o outro estava esgotado e só no GaiaShopping, e já que este é do mesmo autor, o senhor da loja tratou de convencer a minha mãe.
Mas que raio de sorte a minha, agora ter de levar com mais uma história de amor lamechas, deprimente e com final feliz, igual a tantas outras. Comecei a ler, à falta do que fazer. No final do segundo dia já tinha devorado mais de cem páginas.
Envolvente, sarcástica, rica, apaixonante. A escrita de García Marquez preenche mais do que os requisitos necessários para ser um Nobel. É única, viciante.
A história de Fermina e Florentino, o seu enredo contrariado durante mais de cinquenta anos, o amor utópico que ele sente por ela, a forma como o autor descreve os seus (des)encontros da juventude e a paixão arrepiante e arrebatadora que os tomou na velhice, torna " O amor nos tempos de cólera" um dos melhores livros que eu já li.
Durante as linhas das 385 páginas desta obra, que só não li de um sorvo porque os grandes prazeres querem-se trincados aos bocadinhos, para retardar o final, também eu senti fazer parte de uma história que, agora, já não me parece um romantismo à moda do Titanic, mas antes uma ode ao verdadeiro amor: eterno e inquebrável.
Eu aqui, me confesso apaixonada.

sábado, 22 de agosto de 2009

Portugal, um país perto de Espanha.

Há dias em que me surpreende uma incontrolável pena de viver neste país de gente corrupta, onde o pobre é preso por querer comer e o rico malfeitor e mentiroso vive numa casa de cinco assoalhadas e viaja em paquetes de luxo no mar das Caraíbas, neste país onde as estradas são assassinas impiedosas e morrem às centenas de cada vez, onde se bebe até cair porque conduzir com os copos não tem mal nenhum e a viagem nem é longa, por isso não vale a pena sequer usar o cinto. Este país onde ler um livro é coisa de gente que não tem mais o que fazer, onde se diz que ser culto é caro e as Just Girls enchem o Campo Pequeno. Tenho pena de viver no país que já se está a lixar para os brandos costumes, cada qual que se safe sozinho e olhar para as necessidades do vizinho nem pensar, que não precisamos dos outros para nada. Um país onde se trabalha muito e se produz pouco, em que as horas do trabalho são aborrecidas e mais vale aproveitar para pintar as unhas, um país onde é melhor comprar a crédito do que poupar e onde o salário mínimo estica como pastilha elástica.
Às vezes, tenho vergonha de viver neste país do deixa andar que logo se resolve, daqui a uns anitos talvez, onde se fazem estádios de milhões para clubes da segunda divisão e os telhados dos centros de saúde caem na cabeça dos utentes. O país dos 19 de média para entrar em medicina, onde somos atendidos por médicos espanhóis, brasileiros e ucranianos. O país que mostra a sua melhor faceta nos programas de televisão, que lindo, somos tão solidários, comovemo-nos com tanta facilidade, mas vai se a ver e não damos um abraço à nossa mãe desde que desmamámos. O país dos incêndios no Verão, das cheias no Inverno, das cunhas, tanto jeito que fazem e quem me dera ter uma. Um país de mamas XXL, que quem as tem deve passar fome durante um ano para as poder pagar, o país do “ quero um carro como o do Ronaldo, uma casa como a do Ronaldo, a namorada do Ronaldo”, que se lixe se ele ainda não aprendeu, como a maioria dos portugueses, que não se diz “ recebestes”, ou “hades”.
Enfim, a vergonha do país onde o desemprego desce uma décima num ano, que alegria, e todos batem palmas e penduram bandeiras nos parapeitos das janelas, já que é cá que vivemos e não se arranja melhor, pelo menos fingimos.
Uma país de merda. Mas, atenção: uma merda rotulada.

domingo, 2 de agosto de 2009

a colónia


"Somos responsáveis por aqueles que cativamos", Antoine de Saint-Exupéry, em O Principezinho

Este ano, fiquei com o grupo dos mais pequeninos, tal como queria. Vou ter à minha responsabilidade 10 pequenos dos 6 aos 8 anos, e mais trinta até aos 12. A rotina é a do costume: levantar, pequeno almoço, praia, almoço, actividades lúdicas (mais conhecida por "hora Kosovo"), mais praia e gelados, voltar à escola, dar banho aos meninos, jantar, lavar os dentes, ver a novela, deitar os meninos, os meninos a dormir e nós a comer as bifanas do Quim. Não vou em trabalho, vou em dedicação.
No final, tal como no ano passado, sei que vou trazer uma mão cheia de sorrisos e o sentimento de missão cumprida.
Agora vou ver se me sento em cima da mala, que a estúpida não fecha. Até parece que levo tralha a mais para 10 dias. Até parece.