Olho pela janela pequena, à minha frente. É Outono e já chove. Vejo as nuvens cinzentas a correr no céu e depressa fica escura, esta manhã de Novembro. Vejo guarda chuvas abertos, formando um manto colorido passeio acima, e vejo as pernas das pessoas debaixo deles, que cada vez se apressam mais porque a chuva de hoje parece que vai ser daquelas sérias que, quando as há, as ruas desta cidade ficam desertas e tornam-se propriedade absoluta e legítima das gaivotas que as sobrevoam.
Estou numa enfadonha sala de espera de um consultório médico à espera de vez para uma consulta no dentista. Calculo que seja a quarta no espaço de um mês. Não percebo que raio de íman usam estes seres de bata branca e broca na mão para atraírem o resto do Mundo: basta uma vez e já não há remédio: fica sempre algo para tratar numa próxima consulta.
Estou aqui há séculos. A senhora ao meu lado fala para outra, dois lugares adiante:
- O meu marido, que Deus o tenha, acompanhava-me sempre às consultas. Nunca faltou ao trabalho, nunca disse palavrões e até era um bom sogro. Vendia saúde, e deve tê-la vendido mesmo até se esgotar, porque naquela malfadada noite quis usá-la e não a encontrou em lugar nenhum.
Pelo meio da conversa, uma ou outra referência à taberna de um tal Senhor Silva e a algumas madrugadas findadas com um estrondoso bater da porta, um bafo insuportável e um olho negro. Fora isso, o finado marido da senhora ao meu lado era um santo. Talvez esteja, neste preciso momento, sentado numa nuvem a tocar harpa, enquanto ouve a conversa terrena da mulher. (Espero que não haja tabernas nem Senhores Silva no Paraíso).
A cadeira da sala de espera, onde eu já vou ganhando raízes, situa-se perigosamente perto dos balcões de atendimento, de tal forma que desliguei da conversa melancólica daquela senhora e desloquei o meu foco para o outro lado. As funcionárias discutiam as extensões do cabelo de uma colega, que exibia o seu novo penteado como se de um Prémio Nobel se tratasse. As extensões foram aprovadas por consenso geral, e fiquei também a conhecer o motivo de tal mudança de visual e de tantos euros gastos: o namorado achava que ela devia esforçar-se para parecer mais sensual.
Como as actrizes pornográficas – pensei com os meus botões. E logo surgiu perante mim a imagem de um homem com o último botão da camisa aberto e a palitar os dentes, que já estão da cor do semáforo do meio, enquanto enrola o bigode.
Olho pela milésima primeira vez para o relógio de parede, numa tentativa infrutífera de dissolver aquela imagem medonha. A senhora ao meu lado roda a aliança, recordando o seu querido marido morto e eu vou imaginando a das extensões em poses sensuais, com certeza difíceis de conseguir para um ser tão esguio e com uma verruga no queixo.
Concluo que tudo o que existe termina numa sala de espera, e o Mundo aguardará vez, enquanto existirem rostos sem sorrisos e mulheres com extensões, cuja bagagem cultural se mede pelo conhecimento de poses sensuais e uma gama policromática de vernizes para as unhas.
Estou numa enfadonha sala de espera de um consultório médico à espera de vez para uma consulta no dentista. Calculo que seja a quarta no espaço de um mês. Não percebo que raio de íman usam estes seres de bata branca e broca na mão para atraírem o resto do Mundo: basta uma vez e já não há remédio: fica sempre algo para tratar numa próxima consulta.
Estou aqui há séculos. A senhora ao meu lado fala para outra, dois lugares adiante:
- O meu marido, que Deus o tenha, acompanhava-me sempre às consultas. Nunca faltou ao trabalho, nunca disse palavrões e até era um bom sogro. Vendia saúde, e deve tê-la vendido mesmo até se esgotar, porque naquela malfadada noite quis usá-la e não a encontrou em lugar nenhum.
Pelo meio da conversa, uma ou outra referência à taberna de um tal Senhor Silva e a algumas madrugadas findadas com um estrondoso bater da porta, um bafo insuportável e um olho negro. Fora isso, o finado marido da senhora ao meu lado era um santo. Talvez esteja, neste preciso momento, sentado numa nuvem a tocar harpa, enquanto ouve a conversa terrena da mulher. (Espero que não haja tabernas nem Senhores Silva no Paraíso).
A cadeira da sala de espera, onde eu já vou ganhando raízes, situa-se perigosamente perto dos balcões de atendimento, de tal forma que desliguei da conversa melancólica daquela senhora e desloquei o meu foco para o outro lado. As funcionárias discutiam as extensões do cabelo de uma colega, que exibia o seu novo penteado como se de um Prémio Nobel se tratasse. As extensões foram aprovadas por consenso geral, e fiquei também a conhecer o motivo de tal mudança de visual e de tantos euros gastos: o namorado achava que ela devia esforçar-se para parecer mais sensual.
Como as actrizes pornográficas – pensei com os meus botões. E logo surgiu perante mim a imagem de um homem com o último botão da camisa aberto e a palitar os dentes, que já estão da cor do semáforo do meio, enquanto enrola o bigode.
Olho pela milésima primeira vez para o relógio de parede, numa tentativa infrutífera de dissolver aquela imagem medonha. A senhora ao meu lado roda a aliança, recordando o seu querido marido morto e eu vou imaginando a das extensões em poses sensuais, com certeza difíceis de conseguir para um ser tão esguio e com uma verruga no queixo.
Concluo que tudo o que existe termina numa sala de espera, e o Mundo aguardará vez, enquanto existirem rostos sem sorrisos e mulheres com extensões, cuja bagagem cultural se mede pelo conhecimento de poses sensuais e uma gama policromática de vernizes para as unhas.
Catarina Campos, Novembro de 2008.
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