"Florentino Ariza, pelo seu lado, não tinha deixado de pensar nela nem por um instante desde que Fermina Daza o recusou sem apelo nem agravo ao fim de um namoro longo e contrariado, e desde então tinham passado cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias."
"Era a primeira vez que fazia amor em mais de vinte anos e tinha-o feito embargada pela curiosidade de sentir como podia ser na sua idade, após um retiro tão prolongado. Mas ele não lhe dera tempo para saber se o seu corpo também o queria. Tinha sido tão rápido e triste e ela pensou: "Agora é que está tudo fodido." Mas enganou-se (...) Não voltaram a tentar fazer amor senão muito depois, quando lhes chegou a inspiração sem que a procurassem. Bastava-lhes a felicidade de estarem juntos."
"- E até quando pensa o senhor que podemos continuar neste ir e vir dum caralho? - perguntou-lhe.
Florentino Ariza tinha a resposta preparada há já cinquenta e três anos, sete meses e onze dias, com todas as suas noites.
-Toda a vida- disse."
Há uns tempos, pedi à minha mãe que me comprasse " Cem anos de solidão", de Gabriel García Marquez. Pareceu-me uma leitura adequada aos tempos mortos das férias e calculei que um Prémio Nobel não iria desiludir. Depois de olhar para a estante com cara de quem que conhece a filha que tem, a minha mãe lá foi à Fnac.
No dia seguinte, em cima da cama, tinha o García Marquez. O livro, pois claro. Mas, em letras gordas tipo capa de DVD, estava escrito " O amor nos tempos de cólera". Pois que o outro estava esgotado e só no GaiaShopping, e já que este é do mesmo autor, o senhor da loja tratou de convencer a minha mãe.
Mas que raio de sorte a minha, agora ter de levar com mais uma história de amor lamechas, deprimente e com final feliz, igual a tantas outras. Comecei a ler, à falta do que fazer. No final do segundo dia já tinha devorado mais de cem páginas.
Envolvente, sarcástica, rica, apaixonante. A escrita de García Marquez preenche mais do que os requisitos necessários para ser um Nobel. É única, viciante.
A história de Fermina e Florentino, o seu enredo contrariado durante mais de cinquenta anos, o amor utópico que ele sente por ela, a forma como o autor descreve os seus (des)encontros da juventude e a paixão arrepiante e arrebatadora que os tomou na velhice, torna " O amor nos tempos de cólera" um dos melhores livros que eu já li.
Durante as linhas das 385 páginas desta obra, que só não li de um sorvo porque os grandes prazeres querem-se trincados aos bocadinhos, para retardar o final, também eu senti fazer parte de uma história que, agora, já não me parece um romantismo à moda do Titanic, mas antes uma ode ao verdadeiro amor: eterno e inquebrável.
Eu aqui, me confesso apaixonada.