domingo, 29 de novembro de 2009

Li as 385 páginas de “ O amor nos tempos de cólera” numa semana, angustiada pelo pensamento de que teria inevitavelmente uma última linha. E só não li de um sorvo porque os pequenos (grandes) prazeres querem-se trincados aos bocadinhos, para retardar o final.
Florentino Ariza conheceu o amor da sua vida, Fermina Daza, quando a mocidade o chamava à aventura. No entanto, nem mesmo a oposição feroz do pai da dama ao romance platónico impediu a sua luta pelo coração dela. Escreveu-lhe tantas cartas que Fermina começou a empacotá-las ordeiramente dentro de caixas, depois de ler e reler, vezes sem conta, cada palavra apaixonada, cada folha impregnada de um sentimento tão altivo quanto verdadeiro. Fez-lhe serenatas com um violino à janela, enquanto cantava os versos que ele próprio compunha. O cliché fica completo com o Dr. Juvenal Urbino, médico famoso, um homem culto e activo, que luta pela erradicação da cólera e ganha Fermina, construindo um casamento feliz. Mas o amor de Florentino não desvaneceu nem sucumbiu, antes fortaleceu, mais na certeza do que na esperança, que um dia o coração da eterna amada seria seu, outra vez. Fornicou com centenas de mulheres e fez-se rico. Seguiu a vida de Fermina de perto e pensou nela todas as noites, até ao dia em que pôde tê-la, finalmente, nos seus braços. Tinham passado cinquenta e quatro anos onze meses e 3 dias.
Cada vez me convenço mais de que os Florentinos são uma espécie em vias de extinção. Já ninguém escreve longas cartas apaixonadas às Ferminas deste mundo, nem há violinos que toquem junto aos parapeitos das janelas, à espera de um simples sorriso. Acredito que haja histórias de amor verdadeiras, aquelas ao estilo novela mexicana da vida real, mas as formas de demonstração da paixão perderam a magia do antigamente. Hoje, é tudo demasiado fácil, sem graça e sem encanto.
A minha avó conta que teve de enfrentar a fúria da mãe para poder casar com o meu avô; a minha mãe tinha guardados numa caixa todos os postais que o meu pai lhe enviou, pelo correio, com poemas originais numa letra esforçada. E os meus pais moravam a cem metros um do outro. Infelizmente perderam-se as relíquias, porque o meu irmão resolveu recortá-los e oferecê-los à namoradinha da escola. Ele deve, com certeza, ser um dos poucos Florentinos que restam. Já eu, digo com lamento que nunca recebi uma carta de amor, nunca me fizeram uma serenata, nunca lutei por ninguém, nunca lutaram por mim; tenho para recordar e contar aos meus filhos dois e-mails com algumas frases parolas, comentários no hi5 e milhares de mensagens escritas, logo efémeras.
Imagino apenas a sensação incrível de abrir a caixa do correio, esconder o envelope debaixo do casaco e correr para um local seguro, ávida de sentir-lhe a textura, rasgá-lo com cuidado, cheirar o papel e ler lentamente cada palavra e cada frase, respirando em cada vírgula para retomar o fôlego, e ler nas entrelinhas e reler o texto vezes sem conta, embargada num sentimento delicioso, inexplicável. Que pena não ter nascido uns anos antes.
Os namoros de janela, que a muitos parecem desengraçados, são quanto a mim uma forma extremamente inteligente de alimentar a chama, porque serviam de aperitivo para os encontros clandestinos que se seguiam. A dificuldade de aproximação física, que hoje não existe, aguçava a saudade, o desejo de estar com a pessoa amada. Por consequência, esses encontros eram sempre intensos e verdadeiros.
O telemóvel, que deve ser a melhor invenção depois da roda (e da pílula, vá), é o big brother dos casais do século XXI. É vê-los, de cinco em cinco minutos, a mandar a sms para a cara metade : amr, tou no wc; xuxu estou a vestir a camisola; agora as meias xuxu; amt mt bebe”. Esta dependência doentia arruína toda a magia do reencontro. No fim do dia, já não têm novidades para contar, porque está tudo dito, foi tudo escrito.
A história de “O amor nos tempos de cólera”, que só faz sentido pela escrita incrível de Garcia Marquez, fez-me perceber tudo aquilo que se perdeu ao longo dos tempos nas relações. Hoje, já ninguém espera, já ninguém faz acontecer magia, já não há o romantismo que faz corar as maçãs do rosto e acelerar qualquer coração.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Estado de espírito:



Quase.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Vai de metro, Satanás!

Porto Campanhã. Contumil. Rio Tinto. Águas Santas. Ermesinde. Cabeda. Susão. Valongo. São Martinho do Campo. Terronhas. Trancoso. Recarei. Parada.

Já sei de cor o nome de todas as estações e apeadeiros deste percurso que faço, dia após dia, às vezes noite após noite. Entro e pecorro o comboio com um olhar descarado que não disfarço, na esperança de encontrar alguém minimante conhecido, mas raramente sou bem sucedida. Segue-se o pânico habuitual do "onde é que eu meti o meu passe, rais parta não encontro a carteira no meio desta confusão, meu deus vem aí o pica."
O susto é evidente quando olho para alguém que não conheço e me apercebo que sei exactamente onde vai sair. Sei onde trabalha, o que faz, o nome dos filhos. Gosto de ouvir as conversas corriqueiras, mais por cusquice do que por ocupação de tempo morto, confesso. Descubro coisas incríveis, assustadoras, hilariantes. Uma vez uma mulher contava que o filho tinha preenchido um cupão quando estava a brincar aos supermercados com os amigos e, passado uns dias, parou-lhe um camião à porta com uma encomenda de electrodomésticos. Dessa vez, não consegui conter o riso (gargalhada, vá), ao imaginar a pobre senhora a tentar explicar que não tinha preenchido nada, que até dava jeito mas não tinha dinheiro para pagar semelhante coisa, que foi uma brincadeira do filho e os senhores a meterem o frigorífico, a máquina de lavar e o microondas dentro do camião e a irem embora, com o dia perdido.
E também gosto de ouvir as discussões das pessoas ao telemóvel.
“Próxima paragem, Parada”. Será que há alguém que repara que eu saio aqui?
Andar de transportes públicos é uma experiência sociológica extremamente rica e fascinante.

Adenda: A última frase é apenas para que a minha imagem com este post não saia demasiado denegrida.
Devo ser uma pessoa muito odiada pelas pessoas que viajam no comboio de Penafiel.

domingo, 15 de novembro de 2009

Colei.






"Intemporal, clássico e novo." Eu acrescento: brilhante.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

e por falar em (não) crescer...

à hora das refeições e à hora de dormir, sempre a bombar no meu vídeo, vezes sem conta, conta o meu pai.


sábado, 7 de novembro de 2009

" Porque é que é tão difícil crescer?"

Tenho um nó na garganta que não é figurativo, é real. Instalou-se aqui, qual senhor de si mesmo, e não diz quando vai embora, nem diz se vai. Dei-lhe um nome: chama-se Saudade.
Dos laços, da cor, da alegria, das asneiras, dos dias, da ingenuidade, da irresponsabilidade inocente. Da chama de uma magia que apagou.
Mas eu não posso ficar para sempre criança...
"If I turn into another dig me up from under
What is covering the better part of me
Sing this song (sing this song)
Remind me that we'll always have each other
When everything else is gone."

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Silêncio.

Silêncio,
De acordes absurdamente sonoros de paz,
De notas soltas de uma guitarra calada,
De trechos de uma música nunca cantada.
Silêncios que juntam todas as palavras, que conjugam todos os verbos.

Silêncio,
Para calar o eco ensurdecedor do demasiado.

(demasiado ruído, demasiadas vozes)

E assim em silêncio,
nota a nota,
sílaba a sílaba,
constróis o dó-ré-mi da tua própria melodia.